Além do violino, Niccolo Paganini era apaixonado por ravioli

Publicado em: 2 ago 2017

Niccolo Paganini Violinista italiano e uma porção de raviolli

A técnica de violino de Paganini era tão espetacular que muitos ouvintes alegavam que tratava-se de algo sobrenatural. Nascido em Gênova, na Itália, e morto em Nice, na França, Niccolo Paganini jamais foi superado, mago do violino e dono de um virtuosismo jamais visto ou superado, ele levou sua música ao extremo, inventando soluções como notas duplas no agudo, modificação de acorde, entre outras façanhas.

Aos cinco anos, começou a tocar bandolim e dois anos depois mudou para violino, tudo isso sob o severo olhar de seu pai, Antonio, um homem austero que obrigava o garoto a praticar de manhã até a noite. Bastava o pequeno Niccolo relaxar um pouco nos treinos de música para seu pai castigá-lo proibindo-o de comer.

A infância difícil e marcada por castigos nos faz imaginar que foi o que levou o violinista, conhecido como o mago virtuoso do instrumento, a se transformar em um amante da boa culinária. Conta-se que ele era apaixonado por uma receita de ravioli com vitela, salsicha e manteiga. Um recheio nada modesto, agregado a um simples ravioli.

O documento acima é a transcrição da receita do ravióli, escrita pelo próprio Paganini. Ele faz parte da coleção Paganini da Fundação Whittall Gertrude Clarke, pertencente ao arquivo da Biblioteca do Congresso nos Estados Unidos.

Algumas biografias relatam que, no final de sua vida, Paganini sofreu com a dificuldade de mastigar toda aquela carne presente no ravióli, depois de ser submetido a duas operações de mandíbula, no outono de 1828, quando oi obrigado a retirar todos os seus dentes.

Um triste fim para um gênio apaixonado pela música e pela comida.

Abaixo a minha preferida de Paganini, numa performance do genial – e lindo – David Garret.

10 vezes que uma cozinheira me deu aula de culinária e amor

Publicado em: 27 jun 2017

sabores do palacio- filme

Por: Esther Rocha

Danièle Mazet-Delpeuch trabalhou durante dois anos (1988 na 1990) como cozinheira pessoal do presidente francês François Mitterrand. O filme que conta a sua história é sensacional e mantenho ele na ‘cabeceira’ do meu Netflix pra poder rever quantas vezes quiser. E, por incrível que pareça, cada vez que assisto, descubro um novo detalhe, uma dica culinária familiar, me encanto até com as panelas que aparecem em cena.

Cada vez que vejo ”Os sabores do palácio”, viajo com a riqueza dos detalhes. Como não amar ver madame Hortense Laboriev dizer que gosta de falar de comida como quem lê um livro clássico e raro.

No filme, Danièle ganha o nome de Hortense Laboriev (Catherine Frot), uma cozinheira amadora que vive numa fazenda na França e se dedica ao cultivo de produtos locais com o capricho de quem cuida de um bebê. Grande parte da história se passa no Palais de l’Élysée em Paris, residência oficial do presidente (Jean d’Ormesson).

Separei dez cenas que eu adoro:

1- Tem algo mais fofo do que uma senhora elegante que tem mania de conversar com ela mesma enquanto cozinha? Hortense é assim e fala em voz alta o passo a passo de sua produção.
“Quando cozinho tenho que dizer tudo o que estou fazendo”.

3

2 – Esta é a cena mais incrível do filme. Hortense prepara um ‘Le chou farci au saumon braisé aux petits lardons’(Couve de milão recheada com salmão escocês e cenouras do vale do luar). O preparo do prato, detalhado em close, parece um poema.

Uma aula de culinária narrada em detalhes com paixão e conhecimento raro.

6

3 – Na primeira conversa que teve com Hortense o presidente pede: “faça comida francesa verdadeira, simples, de ‘terroir’. Me dê o melhor da França. Detesto complicação, preparações super elaboradas e arranjos inúteis […] Preciso reencontrar o gosto das coisas simples, verdadeiras”. Alto lá pra quem pensa que o chefe da nação era chegado num PF básico. Assim como a maioria dos franceses, o “simples” do presidente equivale a mais alta gastronomia, com requintes de ingredientes orgânicos, vindos diretamente do produtor.

Imagine o sentimento de uma cozinheira, acostumada com a rotina tranquila de sua fazenda no interior, na Provence, ser indicada por ninguém menos que o chefe Joël Robuchon, premiado com 26 estrelas Michelin em seus 20 restaurantes espalhados pelo mundo. Ele não era amigo de Hortense (Danièle), mas bastou um encontro para ele perceber a sua competência.

010

4 – Dia desses escrevi sobre Ella Fitzgerald, que tinha mania de ler livros de culinária como se fossem romances. Neste filme o presidente revela à Hortense que, quando criança, se encantava com a maneira como alguns autores escreviam suas receitas como poesia.“Quando eu era criança, lia livros de culinária. O de Édouard Nignon era o meu favorito. As suas receitas me faziam sonhar e eu as sabia de cór […] Da terra de Pierre Corneille (a Normandia) mande trazer um pato bem rechonchudo”.

 livro Eloges de lacuisinefrançaise de Edouard Nignon

5 – Tempos depois, Hortense recebe o livro “Eloges de lacuisinefrançaise” de Edouard Nignon, como um presente do presidente. Ela também se encanta ao ler algumas frases em voz alta: “Mande vir a terra dos fartos pastos, dessa Normandia onde prevalecem vacas e vitelas de alta qualidade, uma sela de vitela, cuja carne será tão branca quanto a das melhores aves. Prepare-a, amarre com quatro voltas de barbante. Doure a manteiga clara numa frigideira rasa”.

*Édouard Nignon (1865-1934) cozinhou para o czar da Rússia, o imperador da Áustria e o presidente dos Estados Unidos. Ele é considerado por Nestor Luján, no livro Historia de la Gastronomía o “mais refinado, mais perfeito, equilibrado e sereno”. O livro “Eloges de lacuisinefrançaise” foi publicado pela primeira vez em 1933 e que influenciou chefs da turma de Carême, Dugléré, Escoffier, entre outros. São seiscentas receitas escritas quase como versos.

os-sabores-do-palacio-05

6 – A relação entre o assistente Nicolas (Arthur Dupont) e Hortense é emocionante. O rapaz, que inicialmente era apenas mais um confeiteiro do palácio, entende o quanto a cozinheira tem para ensiná-lo e se entrega totalmente ao comando de chefe. Ele é muito bonitinho. Quase no final do filme Nicolas analisa uma sobremesa preparada pelo chefe rabugento da cozinha geral do palácio. E manda bem pra caramba em seus comentários”“Mil folhas de chocolate e baunilha, Bourbon e ganache de laranja amarga: “Baunilha com laranja amarga não fica bom. Quando a gente mastiga um pedaço de baunilha, já está áspero, é amargo. Então não fica bem com laranja amarga. É excessivo”.

Hortense completa a análise com uma pitada de sarcasmo: “Não tem personalidade, qualquer um poderia fazer. Também não tem assinatura. Mas as groselhas frescas estão ótimas”.

Num outro momento, Nicolas explica a Hortense uma sobremesa criada por ele: “Creme de amêndoas, geleia de sabugueiro que “acrescenta um lado floral que vai quebrar o amargo do creme. Além disso ela tem um gosto de balas da minha infância. Temos uma sobremesa que terá gosto que vai nos trazer lembranças de infância, sem cair na demagogia dos bolos de morangos, dos sorvetes, etc”.

os-sabores-do-palacio-11

7 – Trufas, como não amar? Eu amo e sonho com elas. Hortense encomenda uma bela porção de trufas negras para servir ao presidente. Tradicionalmente encontrada no condado de Périgord, na França, as trufas negras representam uma iguaria de sabor único. Quando se fala no “terroir” da trufa essa referência é relativa à origem desse raro fungo que se desenvolve naturalmente nas raízes das arvores (geralmente carvalho e avelã). Assim a trufa tem as características do lugar onde foi encontrada, ou seja, esse é o seu “terroir “.

Hortense liga para um produtor amigo e encomenda quatro quilos de “trufas frescas e pequenas, do tamanho de uma rolha de champagne”. Mais adiante ela aparece na cozinha, num momento tranquilo, à noite, servindo uma bela fatia de pão caseiro com uma boa camada de manteiga aromatizada e fartas fatias de trufa por cima.Hortense cortando as lascas de trufas e colocando-as em uma fatia de pão, me desperta a mais incontrolável cobiça.

Conhecedor da boa comida, o presidente comenta com satisfação: “Imagino que estas são as primeiras da estação”.Para acompanhar ela serviu um tinto Chateau Rayas 1969.

Tournage les saveurs du palais

8- Hortência passa para Nicolas a receita do molho para salada criado com requintes de detalhes. O sous-chef executa com estilo.

“1/3 de vinagre balsâmico

1/3 de óleo de nozes

Um bom 1/3 de azeite

E um pequeno 1/3 de suco cítrico”

jonchc3a9e-dolc3a9ron-1-600x270

9- Hortense elabora o menu de um almoço especial, onde o presidente receberá seus familiares em um evento anual que requer requinte, bom gosto e sabores especiais:

Cassoulet de escargos à la Nantaise (Nantaise é uma cidade do Vale do Luar)

Chaudrée charentaise (Sopa de peixes e lula)

Queijos de cabra e de ovelha

Jonchée rochefortaise (uma espécie de queijo branco feito com leite coalhado, perfumado com folhas de louro, servido com creme de amêndoas e geleia, sobre uma esteira de junco trançado).

“Acho que só se encontra na terra de origem, mas seria divertido faze-lo aqui”, comenta a cozinheira com um sorriso de quem está prestes a criar algo novo.

carta

10 – Em sua carta de despedida, enviada ao presidente, Hortense o aconselha usando uma célebre frase de Montesquieu: “a pior doença é a saúde conservada por um regime extremo”.

Aqui estão apenas dez cenas, mas eu poderia listar outras tantas,. Esse filme mexe com minha paixão pela gastronomia, com minha vontade de descobrir novos pratos e, obviamente, meu apetite!

capa

Os Sabores do Palácio/Les Saveurs du Palais

De Christian Vincent, França, 2012

Com Catherine Frot (Hortense Laborie), e Arthur Dupont (Nicolas Bauvois), Jean d’Ormesson (Monsieur Le Président), Hippolyte Girardot (David Azoulay), Jean-Marc Roulot (Jean-Marc Luchet), Philippe Uchan (Coche-Dury), Laurent Poitrenaux (Jean-Michel Salomé), Hervé Pierre (Perrières), Brice Fournier (Pascal Lepiq), Roch Leibovici (Olivier Moncoulon), Thomas Chabrol (o chefe de gabinete), Arly Jover (Mary, a jornalista australiana), Joe Sheridan (John, o cameraman australiano)

Roteiro Etienne Comar & Christian Vincent

Inspirado livremente na história real de Danièle Mazet-Delpeuch

Fotografia Laurent Dailland

Música Gabriel Yared

Montagem Monica Coleman

Produção Vendôme Production, France 2 Cinéma, Wild Bunch, TPS Star. DVD Europa Filmes.

Cor, 95 min

Taj Mahal: história de amor, boa comida e sabores amargos

Publicado em: 18 jun 2017

Taj-Mahal

A ideia deste texto surgiu por acaso, quando numa playlist qualquer do meu Spotify apareceu Jorge Benjor cantando a história “do amor do príncipe Shah Jehan pela princesa Mumtaz Mahal”.

Ele foi governante e imperador do Império Mugall de 1628 e 1658, e construiu o Taj Mahal em homenagem à esposa que morreu ao dar à luz ao 14o. O herói em questão era famoso por ostentar mais que um cantor de funk… e eu pensei: o que comeria esse poderoso governante? Como seriam os banquetes reais naquela época? Foi assim que descobri esta historia.

O Império Mugal chegou a dominar quase todo o subcontinente indiano. Mugal deriva de mongol e indica a ascendência direta de Gengis Khan. Esse império foi fundado em 1526 e só foi extinto em 1857 pelo poderio britânico. Em seu auge ele foi possivelmente o Estado mais rico, sofisticado e poderoso do planeta; tinha uma população estimada entre 110 e 130 milhões de habitantes, distribuída em um território de mais de quatro milhões de km², situados no atuais Paquistão, Afeganistão e Bangladesh e Índia. Em seu auge, tinha uma administração sofisticada, harmonia entre as culturas locais, uma economia forte e grandes investimentos nas artes e na arquitetura. O imperador também tinha fama de bom gourmet.

O imperador Shah-Jehan e a princesa Mumtaz Mahal

E a comida?

Antes de ser servida, toda comida era provada pelo ‘provador de comida’ que verificavam a presença de veneno. Por conta da segurança dos governantes, o gerenciamento da cozinha era feito por pessoas de extrema confiança. Primeiro, os cozinheiros e Bakawals (oficiais de grande competência) provavam os pratos e depois um superior colocava um selo em todas as preparações enviadas à sala de jantar real.

Antes das refeições era hábito recitar o “Bismillah-ir-Rahman-ir-Rahim”, o primeiro verso do primeiro capítulo do Alcorão que prega a de iniciar todas as tarefas em nome de Allah (Deus) e que uma pessoa que começar qualquer tarefa pronunciando o nome de Deus (com sinceridade em seu coração), receberá apoio e socorro de Deus; Deus abençoará seus esforços e o protegerá das maquinações e tentações de Satanás. Sempre que o homem se voltar para Deus, Deus se volta para ele também.

Shahjahani Daal - a última refeição do Imperador Shah Jahan.

As refeições diárias geralmente eram servidas por eunucos, mas uma elaborada cadeia de comando acompanhava a comida à mesa. O hakim (médico real) planejava o menu, certificando-se de incluir ingredientes benéficos à saúde. Por exemplo, cada grão de arroz era revestido com óleo de prata para ajudar na digestão e atuar como um afrodisíaco. Os grânulos de ouro e prata também eram misturados na refeição das galinhas, cabras e ovelhas, com o propósito de que suas propriedades medicinais fossem transmitidas posteriormente aos comensais.

Ao final das refeições, todos se prostravam diante de Deus. A rainha principal, esposa preferida do Imperador, geralmente presidia a refeição, embora os residentes do harém estivessem livres para comer em seus próprios aposentos, a menos que o imperador se juntasse a eles em alguma ocasião especial. E as mulheres terminavam suas refeições com a exclamação, “Shukr Allah” (Agradeço a Deus).

Outro aspecto importante da comida Mugal, eram as frutas. Eles amavam mangas, melões, além de maças e uvas, que descobriram ser possível cultivar na Índia. A cozinha Mughal é marcada por vários tipos de influências: iranianos, afegãos e persas, misturados com Caxemira, Punjabi e um toques de vários lugares do centro e sul do país.

Segundo as tradições do povo Mugal, os alimentos eram um belo presente a ser oferecido e, para isso, existiam regras e uma etiqueta diplomática. Os brindes e a partilha de alimentos poderiam em vários momentos transmitir mensagens de amizade e boa vontade, status e poder. A localização, a ocasião, o modo de apresentação e a natureza dos alimentos deveriam ser observados antes de se transformarem em um presente.

Um detalhe curioso: eles cozinhavam com água da chuva misturada com água trazida do Ganges. Bem, aqui nenhum comentário sobre a água do Ganges que, naquela época, devia sem bem mais limpa. Nenhum comentário a fazer… rs

Dias de prisão e nenhuma fartura

O forte de Agra, de onde Shah Jahan passou seus últimos dias contemplando a suntuosa Taj Mahal
O forte de Agra, de onde Shah Jahan passou seus últimos dias contemplando a suntuosa Taj Mahal

Seus últimos dias foram tristes e trágicos. Com a velhice e a saúde fraca, Shah Jahan presenciou um impetuoso o surto de hostilidade entre os filhos. Aurangzeb, filho mais velho, ocupou seu lugar e decidiu manter o pai em prisão privada, no forte de Agra, de onde ele passou seus últimos seus anos olhando Taj Mahal pela janela e relembrando sua história de amor. Sua filha mais velha, Jahanara Begum, acompanhou voluntariamente o pai e cuidou dele na velhice.

Diz a lenda que Aurangzeb ordenou ainda que seu pai tivesse direito de comer apenas a um vegetal ou outra comida de sua escolha. Confinado e sem escolhas, ele optou por grão-de-bico, pois poderiam ser cozidos de muitas maneiras diferentes. Até hoje, um dos pratos mais famosos da cozinha do norte da Índia é Shahjahani Daal, uma criação magnífica, feito com grão-de-bico cozido em um molho de coentro, coco, gengibre, pimenta e outras especiarias.

Shah Jahan morreu em 22 de janeiro de 1666. Seu corpo foi enterrado no Taj Mahal, ao lado de sua amada esposa Mumtaz Mahal

Shah-Jehan e Mumtaz Mahal

Fotos: Reprodução

Quando Vinicius de Moraes transforma a comida em poesia

Publicado em: 16 jun 2017

Vinicius de Moraes cozinhando

Sexta-feira, restinho de feriado, um dia preguiçoso. Pra hoje o que tenho é este poema de Vinicius e Moraes que entrega em suas palavras o seu amor por comida.

Não comerei da alface a verde pétala
Nem da cenoura as hóstias desbotadas
Deixarei as pastagens às manadas
E a quem maior aprouver fazer dieta.

Cajus hei de chupar, mangas-espadas
Talvez pouco elegantes para um poeta
Mas peras e maçãs, deixo-as ao esteta
Que acredita no cromo das saladas.

Não nasci ruminante como os bois
Nem como os coelhos, roedor; nasci
Omnívoro: deem-me feijão com arroz

E um bife, e um queijo forte, e parati
E eu morrerei feliz, do coração
De ter vivido sem comer em vão.

Vinicius de Moraes, Los Angeles , 1962

10 coisas sobre Sigmund Freud e seus alimentos favoritos

Publicado em: 8 jun 2017

freud e especiarias

O que existe em comum entre os gênios e comida? Ambos alimentam, inspiram e encantam. Conta-se que Thomas Edison certa vez usou uma sopa como uma ferramenta de entrevista para contratar um funcionário. Enquanto os candidatos comiam, ele apenas observava. Atentamente. Aqueles que temperaram a sopa – com pimenta ou sal – antes de provar foram rejeitados imediatamente.

Charles Darwin também foi além dos estudos sobre os animais exóticos. Ele também os comia e, nos tempos que estudava na Universidade de Cambridge, criou uma confraria chamada Glutton Club. Nela os membros se encontravam semanalmente para comer “carne estranha” como corujas, falcões, iguanas e tartarugas gigantes.

Com Sigmund Freud não foi diferente, exigente com seus alimentos, tinha suas paixões gastronômicas.

Vamos à elas!

10 coisas sobre Sigmund Freud e seus alimentos favoritos

1- A maioria dos detalhes sobre os hábitos alimentares de Sigmund Freud vem do livro Zu Tisch bei Sigmund Freud (Jantar com Sigmund Freud: estilo de vida, hospitalidade e hábitos alimentares) escrito por Katja Behling-Fischer e editado em alemão.

linha
funghi-porcini

2 – Durante as férias de verão, Freud adorava levar seus filhos para escolher ervas e especiarias e pegar cogumelos. Martha, sua mulher, preferia ir à algum mercado comprar cogumelos, talvez por não confiar muito na capacidade do marido para saber se tratava-se de alguma espécie venenosa ou não.

linha
farm-to-table-background

4- Seu filho Martin contava que Freud sempre dizia:

“Não se deve matar nenhuma galinha. Deixe-as viver e colocar ovos “.

5 – Sua sobremesa favorita era sorvete de baunilha caseiro.

6- Freud era um fã do conceito ‘farm to table’(da fazenda à mesa) e sempre esteve à frente das tendências gastronômicas, muitas delas hoje encaradas como novidades.

7 – Entre seus alimentos prediletos destacam-se aspargos, espiga de milho e alcachofras italianas.

linha
Screen-Shot-2015-04-29-at-9.09.54-AM

8- Acreditava que comer comida kosher era prejudicial à saúde. Por conta disso, sua mulher Martha abandonou os preceitos judeus e só retomou a alimentação kosher após a morte de Freud.

9- Apaixonado por seus cachorros, Freud alimentava seus cães a partir de seu próprio prato. Yofi (que significa adorável em hebraico) foi o mascote que viveu mais tempo ao seu lado. Ele acompanhava sessões psicanalíticas de seu mestre e sempre estava presente em refeições familiares. Ficava sempre ao lado de Freud pois, de tempos em tempos, ele colocava seu prato no chão para o cachorro se refastelar

10- Freud tinha seu café favorito, o Café Landtmann, um lugar acolhedor em Viena, na Áustria. Ele morava na casa instalada no número 9 da via Berggasse, entre 1891 e 1938, bem próximo ao café. Ele atendia seus pacientes no mezanino de sua casa e dizia que ser o Landtmann o lugar perfeito para praticar seus estudos com tranquilidade e, um bom café curto. Sentava-se sempre na mesma mesa que ficava em um cantinho com vista para a rua.

 

Por: Esther Rocha

Gulab Jamun: um docinho sagrado e transcendental

Publicado em: 7 jun 2017

krishna bebê
Gulab Jamun

Srila Prabhupada foi um líder religioso indiano, fundador da Sociedade Internacional para a Consciência de Krishna, comumente conhecida como Movimento Hare Krishna. Autor de mais de 40 volumes de tradução e esclarecimentos sobre a filosofia indiana, ele dedicou sua vida a ensinar o mundo sobre a consciência de Krishna, a mensagem de sabedoria espiritual mais nobre da Índia antiga.

Em suas obras encontramos inúmeras explicações das escrituras em sua essência. Em 1965, Srila Prabhupada, na época com 69 anos, viajou da Índia até Nova York, disposto a espalhar a mensagem do Senhor Krishna (o Deus para os indianos). Sua mensagem encantou à quem buscava uma vida com sentido mais profundo, menos material. Foi nessa época que conheceu e encantou os Beatles, em especial George Harrison que viveu o resto de sua vida como um devoto praticante e grande apoiador do movimento.

Mas vamos aqui falar da comida sagrada da Índia. Em seus livros, Srila Prabhupada descreveu o significado transcendental da prasadam (comida sagrada). Ele esclarece o que é comida preparada com devoção e oferecida a Krishna e ensina que essa comida tem o poder de imunizar o devoto da contaminação da natureza material. Trata-se de um néctar que brota dos lábios do Senhor Krishna.

Em sua tradução do Sri Chaitanya-charitamrita – principal escritura sobre a vida e ensinamentos de Sri Caitanya Mahaprabhu, a encarnação de Krishna que apareceu na Índia há quinhentos anos – Srila Prabhupada escreve: “O movimento de consciência de Krishna aprova vigorosamente essa prática de preparar comida, oferecendo-a à Deidade e distribuindo-a à população em geral. Esta atividade deve ser ampliada universalmente para parar os hábitos alimentares pecaminosos, bem como outros comportamentos que representam apenas demônios. Uma civilização demoníaca nunca trará paz para o mundo […] Quando as pessoas comem somente prasadam oferecida à Deidade, todos os demônios serão transformados em Vaishnavas […] É então e só que uma condição pacífica pode prevalecer na sociedade.”

Muitos podem considerar esses preceitos como algo distante de nossa cultura, mas a verdade é que podemos praticar essa postura em todas as atitudes de nossas vidas, inclusive no ato de cozinhar. Um detalhe importante é que essa comida abençoada deve ser comida com respeito, por isso os indianos usam o termo honrar a prasadam.

Srila Prabhupada distribui prasadan entre os devotos
Srila Prabhupada distribui prasadan entre os devotos

Conto esta história para falar de um docinho delicioso, muito famoso em toda Índia, chamado Gulab Jamun. As histórias de devoção me encantam por tratar das coisas mais simples usando respeito, fé e, arrisco dizer, uma deliciosa inocência transcendental.

Conta-se que nos primeiros dias após a criação da ISKCON, Srila Prabhupada preparava e distribuía, aos domingos, algo que chamava de “banquete do amor”. Ele segurava um grande pote de gulab jamuns e oferecia para qualquer um de seus filhos espirituais. Esses doces tornaram-se conhecidos como “balas ISKCON”.

Outra passagem conta que, certa vez, Prabhupada colocou um gulabjamun em sua boca e exclamou: “Nós estamos comendo nosso caminho de volta para Deus!”.

O alimento oferecido nos templos da Índia é preparado seguindo o mesmo protocolo estabelecido nas escrituras. O cozinheiro não prova a comida, pois ele não pode desfrutar desse sabor antes de Deus. Quando o prato fica pronto, ele é colocado em uma bandeja e levado ao altar, onde um devoto oferece o alimento e, em seguida, retorna com ele para a panela. Assim, toda aquela preparação estará abençoada e essa benção é transmitida ao devoto.

Prabhupada dizia que consumir essa comida é como “comer o nosso caminho pra casa”, ou seja, para o mundo espiritual. Isso tudo me encanta pois encaro essa devoção como sementes que foram plantadas há milênios e, até os dias de hoje, seus frutos são colhidos e distribuídos com fartura. Assim como Jesus viveu e pregou a caridade e o amor ao próximo, nas escrituras sagradas da Índia encontramos as mesmas referencias. Acredito que seja o amor passando de geração à geração, atravessando continentes e germinando no coração daqueles que têm fé sincera em seus corações.

Antes da receita do Gulab Jamun, deixo aqui este mantra, cantado antes das refeições. Aprendi essa canção convivendo com amigos muito especiais e me sinto feliz em passa-la adiante, pois representa momentos incríveis que vivi.

Sarira Avidya-Jal

* ISKCON: Sociedade Internacional para Consciência de Krishna

À mesa com Frank Sinatra

Publicado em: 2 jun 2017

frank sinatra cozinhando

O espetáculo Salute to Sinatra, com o cantor britânico Louis Hoover está no Brasil para uma temporada em homenagem ao centenário do cantor. Segundo a crítica especializada, Hoover é o “O Sinatra do Novo Milênio” e ele chega ao Brasil trazido pelo querido empresário Manoel Poladiam.

Por conta disso, revolvi rever nosso menu Sinatra, uma viagem gastronômica pelo universo desse mestre da voz.Nem preciso dizer que ouvir Sinatra é uma viagem, mas o assunto aqui não é a sua música. Fui pesquisar os gostos gastronômicos do cantor e entendi rapidinho que o cara também esbanjava requinte à mesa. Sabia comer do bom, tinha paladar aguçado e gostava de conhecer coisas novas.

Ele era conhecido como A Voz, ou Olhos Azuis. Dono de um timbre inigualável, Frank Sinatra tinha um jeito especial de cantar, e conseguia transformar as letras de suas canções em declarações pessoais. Bonito e elegante, ele ficou marcado por seu estilo único que era um misto de beleza, charme e rebeldia.

Ouvir Sinatra é uma viagem, mas o assunto aqui não é a sua música. Fui pesquisar os gostos gastronômicos do cantor e entendi rapidinho que o cara também esbanjava requinte à mesa. Sabia comer do bom, tinha paladar aguçado e gostava de conhecer coisas novas.

Frank Sinatra arrasava quando o assunto era comer e beber bem. Muitos afirmam que ele ajudou a moldar o que a América comeu, apresentando alimentos que, num primeiro momento, poderiam parecer um tanto exóticos para o resto do país.

Menu Sinatra

Menu Frank Sinatra no restaurante Patsy, em Nova York

Berinjela parmigiana feita pela mãe, esse era um de suas receitas preferidos. Fazia questão de ressaltar que o prato deveria ir ao forno com parmesão ralado e queijo mussarela. A beringela deve ser servida imediatamente após sair do forno para que não perca a textura suave e macia. Era desse jeitinho que Frank gostava.

Embora amasse as receitas da mãe, o pai também deixou seu legado na cozinha. A especialidade de Antonino Martino Sinatra era o filé de vitelo a milanesa, uma preparação refinada, que não é difícil de fazer, mas é preciso ficar atento à alguns segredinhos.

Pra ficar do jeito que ele gostava, o filé precisa ser batido com um martelo, pra ficar fininho. Antes de fritar, empaná-lo em uma mistura de farinha de rosca com Parmigiano Reggiano. Logo mais você vai perceber que incrementamos um pouquinho nossa receita, empanando o vitelo na mollica di Pane.

Para realizar três das receitas preferidas de Sinatra contei com a consultoria do Phiroza Gastronomia. Os chefs Rosny Gerdes Filho e André Valobra passaram uma noite de sábado em minha casa e, juntos, preparamos os pratos… e depois comemos tudo, é claro. Você vai perceber que é possível comer como um notável, em sua própria casa.

Leia + : Patsy, o reduto de Sinatra em Nova York

Na hora da sobremesa, Sinatra devorava a torta das irmãs Rosen

O molho da mãe de Sinatra

Cozinhando na TV, no ritmo de Sinatra

Frank Sinatra: E pra beber, o que vai?

Um restaurante em Vegas, dedicado a Frank Sinatra

Além das profecias, Nostradamus sabia tudo sobre geleias

Publicado em: 31 maio 2017

nostradamus e geleias

Descobri que Nostradamus foi mestre em fazer doces e geleias!

Nostradamus viveu no século 16 e ficou famoso por suas profecias, frutos da combinação de seus conhecimentos sobre a astrologia com o que chamava de inspiração divina. Em 1550 publicou seu primeiro almanaque com previsões gerais para cada mês do ano. Seu trabalho mais grandioso em relação a profecias chama-se As Centúrias e foi publicado pela primeira vez em 1555. As profecias de Nostradamus falam sobre o futuro da França e do mundo até o ano de 3797, data que ele afirmava ser o tempo em que acontecerá o Apocalipse.

Mas o assunto aqui é outro, porque Nostradamus não limitou seu conhecimento às profecias. Ele foi expert na arte de transformar frutas em geleia e fazia um bolinho de marzipã com pasta de amêndoas açucaradas que tiravam do sério a rainha Catarina de Médici, esposa de Henrique II , que tinha fama de uma insaciável comilona.

Médico, apotecário, alquimista e astrólogo, na intimidade Nostradamus era um gourmand e gostava muito de cozinhar. Antes de publicar suas famosas profecias, ele escreveu em 1552 o livro Traité des Fardements et des Confitures. Para entender direitinho o nome do tal livro, pedi ajuda para Sophie, minha professora de inglês que nasceu em Lyon (isso mesmo, ela é francesa !). “Estranho esse nome, isso é francês antigo. Sobre o que você está lendo agora?”, perguntou ela antes de explicar que, numa tradução livre, seria Tratado de Cosméticos e Doces, ou Tratado de cremes e doces.

Bem, vamos à obra! O livrinho traz receitas organizadas em duas partes, cosméticos (maquiagem, loções e perfumes) e alimentos (doces, geleias e vinincotto, um mosto de uva de cor escura e sabor doce, produzido principalmente na região de Apulia, Itália), contém indicações autobiográficas valiosas.

As receitas de Nostradamus buscavam o equilíbrio perfeito entre o sabor, a longevidade na preservação das compotas, e o encantamento provocado pelo colorido das frutas que, segundo ele, além de satisfazerem o paladar, tinham propriedades terapêuticas

São 32 capítulos com receitas de doces feitos com peras, figos, marmelo, limão, laranja, cereja, amêndoas, nozes, abóbora, flores e até alface. Na abertura do livro o autor explica que foi o primeiro a revelar o que chama de “doces secretos”, confeccionados com um caráter ritualistico e místico. Ele dizia que suas receitas eram dedicadas “às pessoas comuns, às damas ávidas de conhecimento e à todas as classes de pessoas”.

“Se alguém tem a perfeita inteligência de dominar bem e devidamente o açúcar, transformará todos os frutos em perfeitas compotas, mas se não conhece o efeito do açúcar quando está liquido, perderá tudo”, escreveu.

Nostradamus viveu na Idade Média, época na qual as experiências feitas por alquimistas e boticários na cozinha, eram sempre mantidas em segredo. Sua cozinha era um laboratório de alquimia onde se valorizava muito o mel – e também o açúcar – não somente como um liquido portador de sabores, como também um fluido solar. Ele e demais alquimistas da época defendiam a teoria que coloca o doce como o centro do contato dos seres humanos com a natureza.

Ele foi um grande conhecedor da boa comida e elogiava as frutas confitadas na Espanha e Itália, em especial nas cidades de Valença, Génova e Veneza, que eram facilmente encontradas na França.

Em uma temporada de dois anos na Itália, aprofundou seus conhecimentos em alquimia vegetal. Em Milão, conviveu com um boticário especialista no assunto que o introduziu na arte das compotas e geleias curativas.

Entre suas especialidades, estavam também as receitas de torrones e marzipãs. Também se especializou em fazer o açúcar candy, usado especialmente para fins medicinais. Trata-se do açúcar feito através de um processo de cristalização lenta e forçada da sacarose em torno de um fio estendido para formar cristais grandes, constituídos de sacarose pura.

Outra preparação presente no livro é o doce de abóbora, definido por ele como “uma compota refrescante que além de ser delicioso, atenua o calor exuberante de coração e fígado”. Na receita ele alerta que para se obter um bom resultado, a abóbora deve estar bem seca e ensina um processo de vários dias para que isso ocorra. No final, a polpa da abóbora deve ser coberta de açúcar (ou mel), até formar uma crosta branca que vai garantir que o doce fique bem macio por dentro.

As delicias preparadas com rosas aparecem tanto como geleias, como em forma de xarope. Algumas delas necessitam de 1.500 flores para ser feita. Ele também alerta que não serve qualquer rosa, elas devem ter um maravilhoso perfume, “como as da Arábia de Ispahán ou do Vale das rosas da Bulgária”.

cerejas
Reprodução

Outra geleia especial é a feita com cerejas. O doce é descrito como algo “de sabor excelente, transparência clara e brilho vermelho, como o de um fino rubi, com as cerejas mantidas preservadas por muito tempo”. Ele garante que essa geleia, “de excelência suprema, pode ser oferecida a um rei.”

Filosofando sobre suas compotas, Nostradamus explicou:

“Se você quer que sua compota tenha toda a essência alquímica da rosa, precisa colhe-las pela manhã, antes da saída do sol, quando estão peroladas com o orvalho, matéria prima para a busca da Pedra Filosofal ou do ouro potável”.

Jorge Amado, suas mulheres e a sensualidade na cozinha

Publicado em: 30 maio 2017

Jorge Amado e Gabriela Juliana Paes Novela

Eu tinha 12 anos quando li Gabriela, cravo e canela. Na estante da sala de minha casa, uma coleção de 14 *livros vermelhos que pertenciam ao meu pai, sempre me chamou à atenção. Mas sempre que eu tentava folhear algumas paginas, ouvia sempre o mesmo alerta, vindo de minha mãe: “Seu pai disse que isso não é livro pra você”. E assim foi, até o dia que desisti de xeretar a estante diante de algum adulto e levei um dos livros para meu quarto, disposta a entender o motivo de tal censura. Folheando rapidamente o dito cujo, um parágrafo me chamou à atenção por conta de tantas informações sobre comida:

“Sobre a alva toalha, cuscuz de milho com leite de coco, banana-da-terra frita, inhame, aipim. Ela ficara parada na porta da cozinha, interrogativa:

– O moço precisa me dizer do que é que gosta.

Engolia pedaços de cuscuz, os olhos enternecidos, a gula a prendê-lo à mesa, a curiosidade a dar-lhe pressa, era hora dos enterros.

Divino aquele cuscuz, sublimes as talhadas de banana frita. Arrancou-se da mesa com esforço. Gabriela amarrara uma fita nos cabelos, devia ser bom morder-lhe o cangote moreno. Nacib saiu quase correndo para o bar. A voz de Gabriela acompanhava-o no caminho, a cantar…”.

Minha leitura clandestina não foi longe. Bastava Dona Iracema me ver com o tal livro vermelho não mão para acabar a minha festa literária/gastronômica. “Hoje você não me escapa, espera seu pai chegar que vamos conversar sobre isso”.

No ano seguinte a TV Globo lançou a novela Gabriela em seu horário das 23 horas, mas desta vez, sabe-se lá por que, toda a família acompanhou a trama sem questionar se a historia era ou não indicada para filha xereta de 13 anos.

A velha coleção de livros com capa vermelha, censurados para uma garota de 12 anos.
A velha coleção de livros com capa vermelha, censurados para uma garota de 12 anos.

Sempre me encantei com a maneira como Jorge Amado conta histórias usando a comida como pano de fundo e as mulheres como grandes divas que ficavam ainda mais encantadoras quando remexiam seus tachos e panelas à beira do fogão.

Recentemente, num documentário da TV Brasil, a psicóloga e filha do escritor, Paloma Amado falou sobre a comida no processo de criação do pai: “Papai dizia que os personagens dele tinham que ser vivos, não poderiam ser uma invenção sem carne, osso, sangue e tal… pra isso eles precisavam comer, e assim, ele alimenta seus personagens nos livros”.

Mas para Jorge não bastava alimentar os personagens. Seu propósito sempre foi mostrar a comida com lente de aumento, em detalhes, mostrando sua capacidade de apurar os sentidos, perfumar e colorir os ambientes e revelar o quão sensual pode ser o ato de cozinhar. Até mesmo Tieta, a heroína forasteira que não sabia cozinhar, não passou impune ao apetite apurado do autor. Em sua volta à Santana do Agreste, ganhou um farto e elegante banquete com especialidades sergipanas digna dos deuses.

“Caro amigo Jorge Amado, o bolo de puba* que eu faço não tem receita, a bem dizer. Tomei explicação com dona Alda, mulher de seu Renato do museu, e aprendi fazendo, quebrando a cabeça até encontrar o ponto. (Não foi amando que aprendi a amar, não foi vivendo que aprendi a viver?)”, trecho do bilhete de Dona Flor para Jorge Amado, publicado na abertura do livro Dona Flor e seus dois maridos.

Superada a censura maternal, no ano seguinte li Dona Flor e seus Dois Maridos (1966). Eu nada entendia de literatura, mas fui capaz de perceber que estava diante de uma linguagem diferente, um texto deliciosamente visual. Sim, um texto visual, colorido e cheiroso como uma cozinha familiar.

Dona Flor me mostrou que mulheres fortes e cheias de personalidade brilhavam ainda mais, e encantavam bem mais que as outras. Cozinheira de mão cheia e professora de culinária, ela literalmente conquistava seus parceiros pelo estômago, e pelos olhos.

Logo após ler o livro, aproveitei a temporada de férias na praia e, com a carteirinha da escola adulterada, consegui assistir ao filme de Bruno Barreto. Adorei, mas entendi ainda mais que Jorge Amado não precisava de imagens, ele sabia como ninguém contar suas histórias em terceira dimensão, usando apenas palavras.

Ao ler Tieta do Agreste cheguei a pensar que Jorge Amado havia deixado a comida de lado. Mas até mesmo a heroína forasteira que não sabia cozinhar, não passou impune ao apetite apurado do autor. Em sua volta à Santana do Agreste, ganhou um farto e elegante banquete com especialidades sergipanas digna dos deuses.

Comida, a saborosa protagonista

“Quem sabe, devido às atividades culinárias da esposa, nesses idílios Vadinho dizia-lhe “Meu manuê de milho verde, meu acarajé cheiroso, minha franguinha gorda”, e tais comparações gastronômicas davam justa idéia de certo encanto sensual e caseiro de dona Flor a esconder-se sob uma natureza tranqüila e dócil. Vadinho conhecia-lhe as fraquezas e as expunha ao sol, aquela ânsia controlada de tímida, aquele recatado desejo fazendo-se violência e mesmo incontinência ao libertar-se na cama.” (Dona Flor e seus dois maridos)

“Comparações gastronômicas davam justa ideia de certo encanto sensual e caseiro de Dona Flor.”(Dona Flor e seus dois maridos).

“E como iria continuar o bar sem os doces e os salgados de Gabriela, sem o seu sorriso diário, sua momentânea presença ao meio dia? […] E como viver sem ela seu sorriso tímido e claro, sua cor queimada de canela, seu perfume de cravo, seu calor, seu abandono, sua voz a dizer-lhe “moço bonito”, o morrer noturno nos seus braços, aquele calor no cio, fogueira de pernas, como? (Gabriela Cravo e Canela).

“Nos fundos da casa havia luzes. Suspendeu o revólver, atravessou o quintal. Viu uma cozinha iluminada. E Gabriela lavando uns pratos. Sorriu, não havia outra igual, mais bonita no mundo.”(Gabriela Cravo e Canela).

“Mas não fora apenas a fama do presépio tradicional que chegara à cidade distante. Chegara também a fama da cozinha de Gabriela. Apesar da sala tão cheia, dona Vera não descansou enquanto não conseguiu arrastar Gabriela para um canto, a pedir-lhe receitas de molhos, detalhes de pratos”. (Gabriela Cravo e Canela).

”Na pobre cozinha, Gabriela fabricava riqueza: acarajés de cobre, abarás de prata, o mistério de ouro do vatapá. A festa começava…

Vinham para o aperitivo, o pôquer de dados, os acarajés apimentados, os bolinhos salgados de bacalhau a abrir o apetite. O numero crescendo, uns trazendo outros, devido às notícias sobre a alta qualidade do tempero de Gabriela. Mas muitos deles demoravam-se agora um pouco mais além da hora habitual, atrasando o almoço. Desde que Gabriela passara a vir ao bar com a marmita de Nacib. Exclamações ressoavam à sua entrada”. (Gabriela Cravo e Canela).

Jorge Amado mostrou ainda o quão saborosa pode ser a fé do bom baiano. Seguidor do candomblé, recheou seus romances com fartos pratos de comidas de santo e ensinou até o que deveria ser servido num velório.

Para saber mais sobre a comida desse escritor baiano e desvendar os segredos de suas receitas, o caminho das pedras é o livro A comida baiana de Jorge Amado, escrito por sua filha, Paloma Amado (editora Panelinha, 2014)

Livro A comida baiana de Jorge Amado