Além das profecias, Nostradamus sabia tudo sobre geleias

Publicado em: 31 maio 2017

nostradamus e geleias

Descobri que Nostradamus foi mestre em fazer doces e geleias!

Nostradamus viveu no século 16 e ficou famoso por suas profecias, frutos da combinação de seus conhecimentos sobre a astrologia com o que chamava de inspiração divina. Em 1550 publicou seu primeiro almanaque com previsões gerais para cada mês do ano. Seu trabalho mais grandioso em relação a profecias chama-se As Centúrias e foi publicado pela primeira vez em 1555. As profecias de Nostradamus falam sobre o futuro da França e do mundo até o ano de 3797, data que ele afirmava ser o tempo em que acontecerá o Apocalipse.

Mas o assunto aqui é outro, porque Nostradamus não limitou seu conhecimento às profecias. Ele foi expert na arte de transformar frutas em geleia e fazia um bolinho de marzipã com pasta de amêndoas açucaradas que tiravam do sério a rainha Catarina de Médici, esposa de Henrique II , que tinha fama de uma insaciável comilona.

Médico, apotecário, alquimista e astrólogo, na intimidade Nostradamus era um gourmand e gostava muito de cozinhar. Antes de publicar suas famosas profecias, ele escreveu em 1552 o livro Traité des Fardements et des Confitures. Para entender direitinho o nome do tal livro, pedi ajuda para Sophie, minha professora de inglês que nasceu em Lyon (isso mesmo, ela é francesa !). “Estranho esse nome, isso é francês antigo. Sobre o que você está lendo agora?”, perguntou ela antes de explicar que, numa tradução livre, seria Tratado de Cosméticos e Doces, ou Tratado de cremes e doces.

Bem, vamos à obra! O livrinho traz receitas organizadas em duas partes, cosméticos (maquiagem, loções e perfumes) e alimentos (doces, geleias e vinincotto, um mosto de uva de cor escura e sabor doce, produzido principalmente na região de Apulia, Itália), contém indicações autobiográficas valiosas.

As receitas de Nostradamus buscavam o equilíbrio perfeito entre o sabor, a longevidade na preservação das compotas, e o encantamento provocado pelo colorido das frutas que, segundo ele, além de satisfazerem o paladar, tinham propriedades terapêuticas

São 32 capítulos com receitas de doces feitos com peras, figos, marmelo, limão, laranja, cereja, amêndoas, nozes, abóbora, flores e até alface. Na abertura do livro o autor explica que foi o primeiro a revelar o que chama de “doces secretos”, confeccionados com um caráter ritualistico e místico. Ele dizia que suas receitas eram dedicadas “às pessoas comuns, às damas ávidas de conhecimento e à todas as classes de pessoas”.

“Se alguém tem a perfeita inteligência de dominar bem e devidamente o açúcar, transformará todos os frutos em perfeitas compotas, mas se não conhece o efeito do açúcar quando está liquido, perderá tudo”, escreveu.

Nostradamus viveu na Idade Média, época na qual as experiências feitas por alquimistas e boticários na cozinha, eram sempre mantidas em segredo. Sua cozinha era um laboratório de alquimia onde se valorizava muito o mel – e também o açúcar – não somente como um liquido portador de sabores, como também um fluido solar. Ele e demais alquimistas da época defendiam a teoria que coloca o doce como o centro do contato dos seres humanos com a natureza.

Ele foi um grande conhecedor da boa comida e elogiava as frutas confitadas na Espanha e Itália, em especial nas cidades de Valença, Génova e Veneza, que eram facilmente encontradas na França.

Em uma temporada de dois anos na Itália, aprofundou seus conhecimentos em alquimia vegetal. Em Milão, conviveu com um boticário especialista no assunto que o introduziu na arte das compotas e geleias curativas.

Entre suas especialidades, estavam também as receitas de torrones e marzipãs. Também se especializou em fazer o açúcar candy, usado especialmente para fins medicinais. Trata-se do açúcar feito através de um processo de cristalização lenta e forçada da sacarose em torno de um fio estendido para formar cristais grandes, constituídos de sacarose pura.

Outra preparação presente no livro é o doce de abóbora, definido por ele como “uma compota refrescante que além de ser delicioso, atenua o calor exuberante de coração e fígado”. Na receita ele alerta que para se obter um bom resultado, a abóbora deve estar bem seca e ensina um processo de vários dias para que isso ocorra. No final, a polpa da abóbora deve ser coberta de açúcar (ou mel), até formar uma crosta branca que vai garantir que o doce fique bem macio por dentro.

As delicias preparadas com rosas aparecem tanto como geleias, como em forma de xarope. Algumas delas necessitam de 1.500 flores para ser feita. Ele também alerta que não serve qualquer rosa, elas devem ter um maravilhoso perfume, “como as da Arábia de Ispahán ou do Vale das rosas da Bulgária”.

cerejas
Reprodução

Outra geleia especial é a feita com cerejas. O doce é descrito como algo “de sabor excelente, transparência clara e brilho vermelho, como o de um fino rubi, com as cerejas mantidas preservadas por muito tempo”. Ele garante que essa geleia, “de excelência suprema, pode ser oferecida a um rei.”

Filosofando sobre suas compotas, Nostradamus explicou:

“Se você quer que sua compota tenha toda a essência alquímica da rosa, precisa colhe-las pela manhã, antes da saída do sol, quando estão peroladas com o orvalho, matéria prima para a busca da Pedra Filosofal ou do ouro potável”.

Jorge Amado, suas mulheres e a sensualidade na cozinha

Publicado em: 30 maio 2017

Jorge Amado e Gabriela Juliana Paes Novela

Eu tinha 12 anos quando li Gabriela, cravo e canela. Na estante da sala de minha casa, uma coleção de 14 *livros vermelhos que pertenciam ao meu pai, sempre me chamou à atenção. Mas sempre que eu tentava folhear algumas paginas, ouvia sempre o mesmo alerta, vindo de minha mãe: “Seu pai disse que isso não é livro pra você”. E assim foi, até o dia que desisti de xeretar a estante diante de algum adulto e levei um dos livros para meu quarto, disposta a entender o motivo de tal censura. Folheando rapidamente o dito cujo, um parágrafo me chamou à atenção por conta de tantas informações sobre comida:

“Sobre a alva toalha, cuscuz de milho com leite de coco, banana-da-terra frita, inhame, aipim. Ela ficara parada na porta da cozinha, interrogativa:

– O moço precisa me dizer do que é que gosta.

Engolia pedaços de cuscuz, os olhos enternecidos, a gula a prendê-lo à mesa, a curiosidade a dar-lhe pressa, era hora dos enterros.

Divino aquele cuscuz, sublimes as talhadas de banana frita. Arrancou-se da mesa com esforço. Gabriela amarrara uma fita nos cabelos, devia ser bom morder-lhe o cangote moreno. Nacib saiu quase correndo para o bar. A voz de Gabriela acompanhava-o no caminho, a cantar…”.

Minha leitura clandestina não foi longe. Bastava Dona Iracema me ver com o tal livro vermelho não mão para acabar a minha festa literária/gastronômica. “Hoje você não me escapa, espera seu pai chegar que vamos conversar sobre isso”.

No ano seguinte a TV Globo lançou a novela Gabriela em seu horário das 23 horas, mas desta vez, sabe-se lá por que, toda a família acompanhou a trama sem questionar se a historia era ou não indicada para filha xereta de 13 anos.

A velha coleção de livros com capa vermelha, censurados para uma garota de 12 anos.
A velha coleção de livros com capa vermelha, censurados para uma garota de 12 anos.

Sempre me encantei com a maneira como Jorge Amado conta histórias usando a comida como pano de fundo e as mulheres como grandes divas que ficavam ainda mais encantadoras quando remexiam seus tachos e panelas à beira do fogão.

Recentemente, num documentário da TV Brasil, a psicóloga e filha do escritor, Paloma Amado falou sobre a comida no processo de criação do pai: “Papai dizia que os personagens dele tinham que ser vivos, não poderiam ser uma invenção sem carne, osso, sangue e tal… pra isso eles precisavam comer, e assim, ele alimenta seus personagens nos livros”.

Mas para Jorge não bastava alimentar os personagens. Seu propósito sempre foi mostrar a comida com lente de aumento, em detalhes, mostrando sua capacidade de apurar os sentidos, perfumar e colorir os ambientes e revelar o quão sensual pode ser o ato de cozinhar. Até mesmo Tieta, a heroína forasteira que não sabia cozinhar, não passou impune ao apetite apurado do autor. Em sua volta à Santana do Agreste, ganhou um farto e elegante banquete com especialidades sergipanas digna dos deuses.

“Caro amigo Jorge Amado, o bolo de puba* que eu faço não tem receita, a bem dizer. Tomei explicação com dona Alda, mulher de seu Renato do museu, e aprendi fazendo, quebrando a cabeça até encontrar o ponto. (Não foi amando que aprendi a amar, não foi vivendo que aprendi a viver?)”, trecho do bilhete de Dona Flor para Jorge Amado, publicado na abertura do livro Dona Flor e seus dois maridos.

Superada a censura maternal, no ano seguinte li Dona Flor e seus Dois Maridos (1966). Eu nada entendia de literatura, mas fui capaz de perceber que estava diante de uma linguagem diferente, um texto deliciosamente visual. Sim, um texto visual, colorido e cheiroso como uma cozinha familiar.

Dona Flor me mostrou que mulheres fortes e cheias de personalidade brilhavam ainda mais, e encantavam bem mais que as outras. Cozinheira de mão cheia e professora de culinária, ela literalmente conquistava seus parceiros pelo estômago, e pelos olhos.

Logo após ler o livro, aproveitei a temporada de férias na praia e, com a carteirinha da escola adulterada, consegui assistir ao filme de Bruno Barreto. Adorei, mas entendi ainda mais que Jorge Amado não precisava de imagens, ele sabia como ninguém contar suas histórias em terceira dimensão, usando apenas palavras.

Ao ler Tieta do Agreste cheguei a pensar que Jorge Amado havia deixado a comida de lado. Mas até mesmo a heroína forasteira que não sabia cozinhar, não passou impune ao apetite apurado do autor. Em sua volta à Santana do Agreste, ganhou um farto e elegante banquete com especialidades sergipanas digna dos deuses.

Comida, a saborosa protagonista

“Quem sabe, devido às atividades culinárias da esposa, nesses idílios Vadinho dizia-lhe “Meu manuê de milho verde, meu acarajé cheiroso, minha franguinha gorda”, e tais comparações gastronômicas davam justa idéia de certo encanto sensual e caseiro de dona Flor a esconder-se sob uma natureza tranqüila e dócil. Vadinho conhecia-lhe as fraquezas e as expunha ao sol, aquela ânsia controlada de tímida, aquele recatado desejo fazendo-se violência e mesmo incontinência ao libertar-se na cama.” (Dona Flor e seus dois maridos)

“Comparações gastronômicas davam justa ideia de certo encanto sensual e caseiro de Dona Flor.”(Dona Flor e seus dois maridos).

“E como iria continuar o bar sem os doces e os salgados de Gabriela, sem o seu sorriso diário, sua momentânea presença ao meio dia? […] E como viver sem ela seu sorriso tímido e claro, sua cor queimada de canela, seu perfume de cravo, seu calor, seu abandono, sua voz a dizer-lhe “moço bonito”, o morrer noturno nos seus braços, aquele calor no cio, fogueira de pernas, como? (Gabriela Cravo e Canela).

“Nos fundos da casa havia luzes. Suspendeu o revólver, atravessou o quintal. Viu uma cozinha iluminada. E Gabriela lavando uns pratos. Sorriu, não havia outra igual, mais bonita no mundo.”(Gabriela Cravo e Canela).

“Mas não fora apenas a fama do presépio tradicional que chegara à cidade distante. Chegara também a fama da cozinha de Gabriela. Apesar da sala tão cheia, dona Vera não descansou enquanto não conseguiu arrastar Gabriela para um canto, a pedir-lhe receitas de molhos, detalhes de pratos”. (Gabriela Cravo e Canela).

”Na pobre cozinha, Gabriela fabricava riqueza: acarajés de cobre, abarás de prata, o mistério de ouro do vatapá. A festa começava…

Vinham para o aperitivo, o pôquer de dados, os acarajés apimentados, os bolinhos salgados de bacalhau a abrir o apetite. O numero crescendo, uns trazendo outros, devido às notícias sobre a alta qualidade do tempero de Gabriela. Mas muitos deles demoravam-se agora um pouco mais além da hora habitual, atrasando o almoço. Desde que Gabriela passara a vir ao bar com a marmita de Nacib. Exclamações ressoavam à sua entrada”. (Gabriela Cravo e Canela).

Jorge Amado mostrou ainda o quão saborosa pode ser a fé do bom baiano. Seguidor do candomblé, recheou seus romances com fartos pratos de comidas de santo e ensinou até o que deveria ser servido num velório.

Para saber mais sobre a comida desse escritor baiano e desvendar os segredos de suas receitas, o caminho das pedras é o livro A comida baiana de Jorge Amado, escrito por sua filha, Paloma Amado (editora Panelinha, 2014)

Livro A comida baiana de Jorge Amado

Marlene Dietrich gostava de cozinhar para os seus (e as suas) amantes

Publicado em: 29 maio 2017

“Uma mulher de avental é um convite ao abraço. O avental de uma mulher jogado por sobre a cadeira da cozinha é uma maravilhosa natureza morta”, Marlene Dietrich

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Num tempo em que mostrar as pernas no palco já representava um abuso, imagine o falatório causado por essa mulher aparentemente fria e distante, que ficou famosa por seu jeito sensual e ardente, ganhando o título de primeiro mito de cinema falado. Era cobiçada por homens e mulheres e não demorou para se transformar em uma mulher mal falada por viver distante dos padrões morais da época.

Gostava de mulheres e de homens, e sempre deixou isso claro para o seu público. Em suas biografias conta-se que entre as coisas que ela mais gostava na vida estavam fazer amor com os seus homens e mulheres, tocar serra musical (um serrote que é usado como um instrumento musical) e… cozinhar para seus amantes.

A musa dos olhos azuis aprendeu a cozinhar por conta própria e, em paralelo à sua instigante vida de estrela, na intimidade de seu lar poderia ser definida como uma verdadeira dona de casa alemã. Mas era avessa à calma e tranquila vida do lar e, sua vasta lista de romances traz nomes de homens e mulheres famosas como Gary Cooper, Maurice Chevalier, Greta Garbo, John Gilbert, Douglas Fairbanks Jr., John Wayne, Richard Burton, Noël Coward, Orson Welles, Burt Bacharach, Edith Piaff, o escultor suíço Alberto Giacometti, John F. Kennedy e Ernest Hemingway.

Tempero perfeito e poderes extraordinários

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Está explicado o segredo infalível da musa de O Anjo Azul para cativar definitivamente seus amores. Avessa aos agitos de Hollywood, ela pediu à sogra que enviasse um livro de receitas austríacas e, como uma simples mortal, começou a desbravar o universo dos sabores e aromas. Assim, entre as quatro paredes de uma cozinha, ao pé do fogão, Dietrich se realizava cozinhando para quem amava. “Acho que fiquei mais orgulhosa com minha fama de excelente cozinheira do que com a ‘imagem lendária’ tão zelosamente construída pelos estúdios”, declarou certa vez.

Arrasava ao fazer um simples prato de ovos batidos que, além de três ovos por pessoa, levava sal, especiarias, creme de leite e muita manteiga. Entre seus pratos preferidos destacam-se almôndegas com batatas, ganso assado guarnecido com repolho, todos eles fartos em calorias.

Mandava bem nas delícias francesas, mas encantava com os sabores das culinárias russa e sueca. Passava longe dos fast food e jamais conseguiu degustar um hambúrguer com prazer, dizia que eram todos ruins e sem gosto. Das especialidades americanas ela só respeitava a comida do interior, preparada pelas cozinheiras negras, definidas por ela como “cheias de imaginação e ideias”.

No departamento de sobremesas, ela ensina desde um fácil e suculento bolo de chocolate, até um zabaione que leva seu nome e deve ser servido com frutas como mirtilos, groselha, amora, morangos, cerejas e framboesas, entre outras.

marlenebebe

Também sabia beber com classe e conta-se que, certa vez, teria confessado ao seu grande amigo e amante Ernest Hemingway, que só escolhia amantes que bebiam Martini. Mas sua grande paixão etílica foi o champanhe, definido brilhantemente por ela:

“Como símbolo, o champanhe tem poderes extraordinários. Ele lhe dá a sensação de um domingo e de que dias melhores estão se aproximando. Se você pode arcar com um Dom Pérignon bem gelado numa linda taça, no terraço de um restaurante em Paris, olhando para as árvores ao sol numa tarde de outono, vai sentir-se o adulto mais sensual do mundo, mesmo se estiver acostumado a tomar champanhe”.

O bolo de chocolate vou fazer esta semana e postarei o resultado pra vocês. E quanto ao Dom Pérignon, prepare o cartão de crédito, pois esse luxo vai lhe custar mais de mil reais. Levando em conta que o dia dos namorados está chegando, complete o investimento comprando duas lindas taças para desfrutar com elegância dos tais poderes extraordinários de suas elegantes borbulhas.